Catástrofe durante a Procissão dos Passos em Congonhas

O jornal "O Contemporâneo", em sua edição de nº 18, publicada em 7 de maio de 1893, divulgava o lamentável episódio ocorrido durante os festejos da "Semana Santa" no então distrito de Congonhas do Campo.

Os fieis não imaginariam que uma tragédia se abateria sobre eles em pleno cortejo santo na noite da longínqua terça-feira, 28 de março de 1893.

Eis a nota do jornal:

“Na noite de 28 de março de 1893, durante a procissão dos Passos entre a Igreja do Bom Jesus e a Matriz de Nossa Senhora da Conceição no distrito de Congonhas do Campo, por volta das 19h, quando os fiéis atravessavam o rio Maranhão, a ponte de madeira provisória ali instalada não suportou o peso da multidão e desabou, fazendo com que muitas vítimas caíssem no leito do caudaloso rio, algumas com sérios ferimentos”.

Ponte de madeira sobre o rio Maranhão - Gravura - 1870

As autoridades ouropretanas foram avisadas sobre o sinistro ainda naquela noite, após o envio de um telegrama através da estação ferroviária "Congonhas", localizada no distrito de Soledade (atual distrito de Lobo Leite) para a estação de Ouro Preto.

A população de Congonhas naquele momento, revoltada, exigia a reconstrução definitiva da ponte sobre o rio Maranhão, enquanto socorria, consternada, as vítimas.

A iluminação elétrica (ou a gás) ainda era um sonho distante nessa época em Congonhas. E podemos imaginar que a procissão seguia seu trajeto apenas com a fraca luz das velas ou das lamparinas (“cambonas”) alimentadas pelo óleo de mamona. Com pouca iluminação o socorro das vítimas deve ter sido lento e penoso. E mais, para onde essas vítimas foram levadas após a queda? Como elas foram tratadas?

Não sabemos e fica difícil imaginar como essas pessoas se restabeleceram ou se ficaram com sequelas.

A ponte:

A transposição do rio “das Congonhas”, nome primitivo do rio Maranhão, remonta o início do século XVIII, com a construção de uma ponte de madeira por seus moradores.

Durante a passagem do Conde Assumar por Congonhas em 1717, o mesmo fez uma breve citação após ter atravessado a divisa limítrofe entre a Comarca do Rio da Mortes e adentrado nos domínios da Comarca de Vila Rica, passando por uma estreita ponte de madeira ali instalada.

Nessa época era o rio das “Congonhas” o divisor natural entre as duas Comarcas e o Conde de Assumar, vindo do Vale do Paraíba e após passar por São João Del Rei, rumava em direção a Vila Rica, quando chegou no pequeno arraial das Congonhas do Campo, onde pernoitou, abrigado em um precário casebre cedido por um caridoso morador, próximo a primitiva capela devotada à Nossa Senhora da Conceição.

Outra narrativa encontrada (agora na Casa dos Contos de São João Del Rei), nos mostra que, em fins de 1717, Francisco Ferraz, responsável pela cobrança e arrecadação do Quinto Real no trecho do Caminho Real entre Lagoa Dourada e o rio das "Congonhas", ao enviar seu relatório ao Rei de Portugal informando quais eram os proprietários de terras (sesmeiros) e de vendas, e qual o valor do imposto a ser pago, nos descreve que seu limite de atuação vai até a ponte sobre o rio das "Congonhas", ou até o lado "Matosinhos" como conhecemos atualmente em Congonhas. Do outro lado a jurisdição passa a ser da comarca de Vila Rica (no caso de Congonhas, o lado conhecido como "Matriz").

Nas décadas seguintes Congonhas passou a ter a presença homens afortunados que extraiam ouro em abundância dos ribeiros e córregos da região, além de praticarem o comércio de alimentos e fazendas (tecidos). Esse importante centro de mineração gerava fortuna para muitos de seus homens e, numa lista secreta, feita em 1746, dos homens mais abastados da Capitania constam dez nomes da Freguesia de Congonhas, e todos os dez eram mineradores.

E foram esses homens abastados que construíram e reconstruíram, por diversas vezes, a ponte sobre o rio Maranhão.

Certa vez, estes moradores de Congonhas protocolaram em 05/06/1743 na Câmara de Vila Rica (Ouro Preto), um pedido de ressarcimento das despesas referente a construção de uma ponte sobre o já citado rio das Congonhas (atual rio Maranhão), sendo a mesma ter sido edificada pelos moradores do arraial e as despesas divididas entre eles.

Esse documento encontra-se no arquivo público de Ouro Preto e é prova inequívoca de que a ponte sobre o rio Maranhão é tão antiga quanto a presença de garimpeiros em nossa região.

Obviamente era uma ponte de madeira e sujeita aos castigos impostos pela ação impiedosa do rio Maranhão quanto este saía de seu leito durante o período das cheias. Assim, temos inúmeros relatos de construção e reconstrução dessa passagem ao longo dos séculos XVIII e XIX pelos seus moradores.

E quando do início da construção da igreja em devoção do Bom Jesus de Matosinhos e seus concorridos festejos anuais, os romeiros oriundos da região de Ouro Preto e Mariana (e localidades vizinhas) já se beneficiavam dessa ponte de madeira sobre o rio Maranhão.

Vale destacar os viajantes europeus que aqui passaram ao longo do século XIX (como August de Saint Hilaire, Richard Burton, James Wells e outros), fizeram citações em seus diários de viagens quando da transposição do rio, outrora das “Congonhas”.

Compulsando os antigos jornais mineiros, encontrei no Diário de Minas, edição nº 102, publicado em 17/10/1866, o requerimento de autoria do Barão de Congonhas, Lucas Antônio Monteiro de Castro, solicitando ao Diretor Geral das obras públicas da Província de Minas Gerais o ressarcimento referente a quantia de 1:431$200 (um conto, quatrocentos e trinta e um mil e duzentos réis) gastos durante a reconstrução da ponte sobre o já mencionado rio, destruída pela enchente ocorrida no início de 1866.

E foram muitos reparos que essa ponte requereu até que uma ponte de concreto armado fosse construída, pondo fim a essa “novela”, de reparos e reconstruções.

Em 1923 teve início a construção da ponte de concreto sobre o rio Maranhão em substituição à ponte de madeira ali existente, ligando as praças Portugal e Dr. Mário Rodrigues Pereira. A obra foi financiada com recursos do governo de MG e contava com 2 vãos de 18m cada um e largura de 5 metros com passeios, além dos arcos laterais. O engenheiro responsável pelo projeto foi Benedicto José dos Santos, Diretor de Viação e Obras Públicas do governo de MG. A execução do projeto ficou a cargo dos engenheiros Arthur Guimarães e Alcindo Vieira ao custo de 91:874$000 (noventa e um mil, oitocentos e setenta e quatro contos de réis). 

Construção da ponte sobre o rio Maranhão - 1924 - Foto/acervo: Welerson Athaydes Fernandes

A inauguração da ponte de arcos se deu em 13 de fevereiro de 1925 com a presença do Prefeito de Queluz, correligionários, Vereadores distritais, padres Redentoristas e a população do distrito.

Grupo de amigos em passeio de barco no rio Maranhão - década de 1940

Em 1939 a ponte recebeu a denominação de “Ponte Cônego João Pio”, após promulgação do Decreto-Lei Municipal nº 4, pelo então prefeito Dr. Alberto Teixeira dos Santos Filho, em homenagem ao ilustre clérigo e político que tanto fez por Congonhas durante sua permanência à frente da administração do Santuário do Bom Jesus.

Ponte de arco -“Cônego João Pio” - década de 1950

Com a crescente exploração do minério de ferro na região e a consequente utilização intensa do embarcadouro da estação ferroviária, abastecido por caminhões oriundos das jazidas, essa ponte de concreto armado precisou passar por ampliação, de acordo com o projeto apresentado na gestão do prefeito Waldir Cunha (1961) e na gestão de Aristides Junqueira (Zico Junqueira) em 1965. Mas somente em fins de 1966, sob a gestão de José Theodoro da Cunha (Zezete) é que obra foi realizada, sendo inaugurada em 06/10/1967, recebendo nova denominação: “Ponte Dr. Victorino dos Santos Ribeiro”, homenageando o notório médico de nossa cidade. Cônego João Pio, que antes emprestara seu nome à ponte, agora passou a denominar a antiga rua Direita, uma distinção honrosa a quem muito fez por Congonhas.

Ponte Dr. Victorino dos Santos Ribeiro - 2023



Por André Candreva

Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas
Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete
Academia de Letras Brasil – RMBMG
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira

REFERÊNCIAS:

Museu da Imagem e Memória de Congonhas


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Escola Barão de Congonhas - a caminho de seu centenário...

Tragédia horrível em Congonhas