Cônego João Pio de Souza Reis

Uma das figuras mais importantes da história congonhense, um homem à frente de seu tempo, uma pessoa de múltiplas ações. Este foi João Pio de Souza Reis, Cônego e Político mineiro que viveu um longo período de sua existência em Congonhas, em especial, na condução do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos como seu principal administrador, sob a confiança de Dom Silvério Gomes Pimenta, dileto amigo.

Cônego João Pio nasceu em Ferros/MG, em 04 de maio de 1860. Filho de Reginaldo de Sousa Reis e de Maria Cândida Duarte, seus pais eram fazendeiros e residiam em São Domingos da Prata/MG.

Estudou no Colégio do Caraça ordenando-se padre em Mariana em 05 de novembro de 1882. Dirigiu as paróquias de São Caetano (Mariana), de São Domingos da Prata e de Muriaé onde foi vigário de 1911 a 1916.


Em Muriaé se destacou não só por suas qualidades como sacerdote, que eram muitas, mas como jornalista, escrevendo no jornal “O Operário”, e principalmente no jornal “Alto Muriahé”, do qual era colaborador assíduo. Também atuou na área comercial, sendo um dos fundadores e presidente de uma empresa de capitalização chamada “A Acumuladora” - que captava fundos junto à população e pagava juros pré-fixados.

Exerceu ao longo de sua vida diversos cargos de destaque, entre os quais o de Professor do Colégio Caraça; reitor do Ginásio Barbacenense; Professor da Escola Normal de Barbacena; pároco em São Domingos de Gusmão em 1909, Administrador do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas por 22 anos e Fiscal de Ensino junto ao Colégio Caraça.

Em 1914 foi delegado da Arquidiocese de Mariana no Congresso Eucarístico realizado em Lourdes na França.

Homem de extrema confiança do Arcebispo Dom Silvério Gomes Pimenta, foi designado por este em 1910 como Administrador do Santuário do Senhor Bom Jesus em Congonhas. Em sua administração promoveu um período de grande recuperação financeira e administrativa no Santuário. Sobressaiu-se pela dedicação intensa ao gerenciamento das obras e a recuperação do conjunto barroco de Congonhas.

Homem de pulso forte, João Pio em curto espaço de tempo conseguiu reformar a igreja, o colégio e as romarias, que tiveram de ser inteiramente retocadas. Criou novo programa para o colégio e acabou com as demandas que consumiam as contribuições dos fiéis, mediante acordos com os litigantes. Hábil administrador começou por moralizar as festas do jubileu e a recuperar as finanças da igreja, que, em 1918, já acusavam o saldo positivo de 86 contos de réis em seu balanço.

Promoveu ainda a devoção ao Bom Jesus e atraiu os romeiros que, vindos de centenas de cidades mineiras e de outros Estados, retornaram numerosos ao Jubileu.

Casa onde morou Cônego João Pio em Congonhas - em frente a Igreja Matriz de Nª Sª da Conceição. Colaboração: Welerson Athaydes Fernandes - Foto: Instituto Moreira Sales

Fundou em 1913 o período "O Bom Jesus", jornal cujo objetivo era divulgar a devoção ao Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas e promover seu santuário. Esse jornal, pioneiro, muito contribuiu para alimentar a fé dos devotos, e na administração dos Padres Redentoristas foi rebatizado para “Senhor Bom Jesus”.

Porém, o maior acontecimento religioso de sua administração em Congonhas foi a Sagração do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos pelo Núncio Apostólico em 06 de novembro de 1921.

Outro marco de sua presença em Congonhas se deu em 20 de novembro de 1924 quando entregou a administração do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos aos Padres da Congregação Redentorista (que haviam chegado a Congonhas no final de 1923), após mais de 13 anos de sua gestão, tendo realizado profundas modificações sob seu comando introduzindo melhoramentos que lhe renderam fervorosos elogios por todo o estado de Minas Gerais.

A administração desse notável sacerdote foi saneadora: reabilitou a ordem, a disciplina e as rendas do Santuário. Revitalizou a devoção ao Bom Jesus e mereceu o apoio dos Arcebispos de Mariana, Dom Silvério e Dom Helvécio.

Energia elétrica em Congonhas:

Sempre preocupado com o progresso de Congonhas, Cônego João Pio capitaneou a constituição da Companhia Força & Luz Congonhense, cujo objetivo era produzir energia elétrica através de uma barragem no ribeirão Goiabeiras e fornecê-la à população local. O jornal carioca "A União", em sua edição de 1º de maio de 1919, noticiava que, “em breve, se iniciariam em Congonhas as obras de construção da primeira usina de geração de energia elétrica na localidade”. Os estudos de viabilidade técnica foram realizados por João de Freitas e Antônio Manso Filho e submetidos à apreciação de importante casa de eletricidade do Rio de Janeiro/RJ. A nota destacava ainda que o "torrão natal de Dom Silvério" receberia esse melhoramento através do incansável Cônego João Pio de Souza Reis, diretor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

E, de fato, em 22 de junho de 1919 Cônego João Pio fundou a Companhia Luz e Força de Congonhas. A usina geradora de energia elétrica foi construída às margens do ribeirão "Goiabeiras", tributário do rio Maranhão (próximo do atual terminal rodoviário da cidade). Da usina saiam as linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica para os moradores de Congonhas, inclusive com iluminação pública de ruas e praças. O cargo de Diretor-Presidente da empresa ficou com o Cônego João Pio; o 1º Secretário ficou a cargo do Dr. Victorino dos Santos Riberio, conceituado médico da localidade, e como 2º secretário, o Dr. João Pereira da Costa Netto. Foram subscritas na 1ª entrada 178 ações no valor de 100$000 (cem mil réis), dispondo a companhia de um capital de 30 contos de réis. A usina funcionou até o fornecimento de energia elétrica pela Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) em fins de 1956.

Novo acesso ao Santuário:

Cônego João Pio teve participação fundamental na construção da nova via de acesso ao Santuário, que teve início em outubro de 1928. A construção da estrada para automóveis para ligar a rua "nova" (rua Benedito Quintino) até o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, com uma extensão de 1.500 metros, foi projetada pelo engenheiro Cícero Pereira e executada pelo empreiteiro Júlio Pedro de Britto. A obra foi inaugurada em 23 de fevereiro de 1929, mas somente na gestão do prefeito José Theodoro da Cunha (Zezete – 1966 - 1970) recebeu o nome como a conhecemos atualmente: Avenida Bias Fortes.

Estrada de acesso ao Santuário - atual Av. Bias Fortes - década de 1930 - acervo: Museu da Imagem e Memória de Congonhas

Homenagens:

Compulsando um artigo do Jornal Imparcial/RJ, em sua edição de 20 de janeiro de 1920, que publicou nota referente à condecoração do Cônego João Pio, diretor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas, pelo Rei da Bélgica Alberto I, com a "Cruz do Comendador da Ordem da Coroa" - a mais alta honraria do governo belga, pelos relevantes serviços prestados à causa dos "Aliados" durante a Primeira Guerra Mundial. Na mesma solenidade também foi agraciado o Arcebispo de Mariana, o congonhense Dom Silvério Gomes Pimenta, seu dileto amigo.

Cônego João Pio recebeu ainda, duas homenagens do povo congonhense. A primeira delas foi através do ato administrativo do então prefeito municipal Dr. Alberto Teixeira dos Santos Filho que publicou em fevereiro de 1939 o Decreto-Lei Municipal nº 4 denominando “Ponte Cônego João Pio” a ponte de concreto armado sobre o rio Maranhão que faz a ligação entre as praças Dr. Mário Rodrigues Pereira e Portugal. A ponte, que foi inaugurada em 13 de fevereiro de 1925, estava a mais de quatorze anos sem denominação oficial.

Com a crescente exploração do minério de ferro na região e a consequente utilização intensa do embarcadouro da estação ferroviária, abastecido por caminhões oriundos das jazidas próxima, essa ponte de concreto armado precisou passar por ampliação, de acordo com o projeto apresentado na gestão do prefeito Waldir Cunha (1961) e na gestão de Aristides Junqueira (Zico Junqueira) em 1965. Mas somente em fins de 1966, sob a gestão de José Theodoro da Cunha (Zezete) é que obra foi realizada, sendo inaugurada em 06 de outubro de 1967, recebendo nova denominação: “Ponte Dr. Victorino dos Santos Ribeiro”, homenageando o notório médico de nossa cidade.

Cônego João Pio, que antes emprestara seu nome à “ponte de arcos”, agora passou a denominar a antiga rua Direita – que liga a praça Dr. Mário Rodrigues Pereira à Igreja Matriz, uma distinção honrosa a quem muito fez por Congonhas.

Em 1948 emprestou seu nome ao distrito do município de São Domingos do Prata, que passou a denominar-se Distrito Cônego João Pio após a promulgação da lei municipal nº 336, de 27 de dezembro de 1948, homenageando uma das figuras mais representativas de São Domingos do Prata.

Antes, porém, já emprestara seu nome ao educandário de São Domingos do Prata em 1932, por iniciativa do então prefeito, Dr. Edelberto de Lellis Ferreira. A iniciativa de construção do citado colégio teve início em 13/04/1918, quando o Dr. Antônio Gomes Lima (um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais), durante o exercício de seu segundo mandato de Deputado Federal, conseguiu junto ao Presidente do Estado de Minas Gerais, Delfim Moreira da Costa Ribeiro, a verba necessária para construir o educandário. Dr. Antônio Gomes foi colega de bancada do Cônego João Pio em 1907 no Senado Estadual.

Política:

Cônego João Pio teve uma intensa atividade política em sua vida. Em fins do século XIX foi eleito Deputado Estadual para o período de 1899 a 1902, vivendo a transição entre Ouro Preto e Belo Horizonte, quando esta última se tornou a nova capital mineira.

Após a experiência na Câmara mineira, foi eleito Senador Estadual para o período entre 1919 e 1926, quando assumiu a vaga do Dr. Landulfo Machado de Magalhães.

Em maio de 1920 Cônego João Pio organizou em Congonhas o diretório político filiado ao P.R.M. (Partido Republicano Mineiro) formado pelos membros João Baptista Dias Leite, Antônio Moreira de Souza e Silva, Odorico Martinho da Silva, Pedro Costa e Oscar de Andrade, representantes de todas as correntes políticas de Congonhas, e seu objetivo era o de sensibilizar as autoridades políticas de Ouro Preto e Queluz (Conselheiro Lafaiete) para a unificação de Congonhas. O "lado Matriz" pertencia a Ouro Preto e o "lado Matosinhos" pertencia a Queluz, o que prejudicava o desenvolvimento e crescimento de Congonhas à época. O lema dos partidários era: "Congonhas deve ser una, indivisa e autônoma".

Cônego João Pio de Souza Reis (3º da direita p/esquerda) no Senado mineiro – década de 1920

Em meados de 1926 Cônego João Pio proferiu um eloquente discurso no Senado mineiro referente aos interesses públicos diante da construção da futura rodovia que ligaria Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. João Pio defendia que o traçado da estrada deveria vir de Miguel Burnier e passar por Congonhas e ir até Queluz, e não como proposto inicialmente pelo Estado, que viria de Miguel Burnier e seguiria diretamente até Queluz.

Suas palavras foram lembradas tempos depois no governo do Presidente Juscelino Kubitscheck quando este promoveu a construção da BR-3, atual BR-040, cujo leito rodoviário passa exatamente por onde Cônego João Pio vislumbrou.

Foi reeleito senador para o mandato de 1927 a 1934. Não chegou a cumpri-lo integralmente pois, veio a falecer em 1932.

Exposição internacional:

Em princípio de 1921 Cônego João Pio inscreveu o então distrito de Congonhas do Campo na “Exposição de Minerais de Londres, Inglaterra”, enviando para a capital inglesa uma variedade amostras de pedras semipreciosas existentes em nossa região, o que rendeu a Congonhas destaque no jornal fluminense “Correio da Manhã” com ampla matéria divulgada em sua edição de 14 de março de 1921.

Além de Congonhas, estavam inscritos para participarem da exposição os municípios mineiros de Carangola, Januária, Pirapora, Barbacena, Mercês e Juiz de Fora.

Falecimento:

Após uma vida dedicada ao sacerdócio, à administração do Santuário do Bom Jesus em Congonhas e à vida pública, Cônego João Pio sofria com a saúde debilitada quando veio a falecer em 11 de dezembro de 1932, aos 72 anos de idade, em Congonhas.

Teve uma vida brilhante: educador, jornalista, tribuno, pastor de alma, administrador, político, orador sacro. Em todos estes postos fulgurou o seu talento privilegiado, e em todos eles prestou à Igreja e ao Estado os melhores serviços.

Deixou para nós um legado de fé, amor ao próximo e dedicação extremada ao bem comum.


Por André Candreva

Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas
Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete
Academia de Letras Brasil – RMBMG
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira

REFERÊNCIAS:

Jornal Congonhas - 02/05/1920
Jornal O Bom Jesus - 05/03/1925
Jornal de Queluz - 07/08/1926
Jornal de Queluz - 14/08/1926
Jornal Diário de Notícias - 04/05/1958


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