Dom Silvério Gomes Pimenta - o semeador de fé e luz...

No limiar do século XIX Congonhas já experimentava o rápido desenvolvimento da pujante devoção ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos, iniciada em 1757 pelo português Feliciano Mendes ao dar cumprimento à sua promessa. E tantas são as graças recebidas, além de milagres inauditos operados à sua invocação que, em pouco tempo, Congonhas se tornara centro de numerosas e constantes romarias, e mais tarde convertido pela generosidade de seus devotos num dos mais célebres Santuários do Brasil, ao qual fazem guarda em artísticas estátuas de “pedra sabão”, lavradas pelo escopro inspirado do imortal Antônio Francisco Lisboa - O Aleijadinho, Profetas que ao mundo anunciaram o Divino Redentor.

Foi nesse ambiente impregnado de fé e de bênçãos que, no alvorecer do ano de 1840, a pouco mais de 2km de distância da sede do pequeno e florescente arraial de Congonhas do Campo, viviam Antônio Alves Pimenta e Porcina Gomes de Araújo. Sob as bênçãos da Igreja, algum tempo antes recebidas na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, haviam ligado em santo matrimônio essas duas vidas, que se fundiram para, na prática da santa religião cristã e em mútuo auxílio, procurar a paciência e resignação nas grandes dificuldades e penúria dos bens terrenos, que lhes deixara a pobreza de seus avós, de cujo patrimônio herdaram somente virtudes e inquebrável fé, vida dos justos, no dizer das escrituras. Do seu abençoado consórcio lhes nasceram cinco filhos, dos quais o primogênito recebeu na pia batismal o nome de Silvério, em homenagem ao avô materno.

Quando menino, Silvério Gomes Pimenta lutou contra as maiores dificuldades e a mais extrema pobreza para aprender, para estudar. As primeiras letras lhe foram ensinadas pelos devotados professores Manoel Seabra e Antônio Gurgel, que, mais tarde, se gabavam de nunca haver encontrado discípulo tão dócil e aplicado.

Dom Silvério Gomes Pimenta durante sua posse na Academia Brasileira de Letras - 1920
Foto: Revista Bahia Ilustrada - edição nº 31 - junho de 1920

Em janeiro de 1849 faleceu seu Pai e para não viver em ociosidade, teve a oportunidade ofertada pelo sr. Basílio, que lhe arrumou uma ocupação em sua taberna na ladeira Bom Jesus. Quase que de imediato, veio em seu auxílio o Alferes Manoel Pimenta, seu Tio e Padrinho, que lhe obteve dos Padres Lazaristas, diretores do Colégio Matosinhos, permissão para que o afilhado, como aluno externo, cursasse suas aulas.

Silvério fez seu curso primário em sua terra natal, e o fez com tal dedicação e aproveitamento que, ao terminá-lo, foi agraciado com o título honroso de "Aluno Benemérito do Colégio Matosinhos".

Trazido pelo braço generoso e santo de Dom Viçoso para o Seminário da Boa Morte em Mariana, revelou-se logo como grande aluno e mais tarde como o grande professor que foi.

Como professor, as lições do Padre Silvério eram um encanto aos alunos. Não havia dificuldade que não fossem resolvidas de tal modo que eram compreendidas ainda pelo mais bronco dos discípulos.

Dom Silvério não deixou nunca de estudar e não deixou nunca de ensinar. Distribuía sempre, na escola, na cátedra, no catecismo, no púlpito e em todos os lugares, a luz de sua fé e a santidade de sua palavra.

Devotamente Dom Silvério celebrava missa todos os dias e ouvia todas as missas que podia. Levantava-se muito cedo e todos os minutos de suas horas e todas as horas do seu dia eram dedicados à oração, à meditação e ao trabalho perseverante, intenso e contínuo para Deus. Dedicou-se abnegadamente ao trabalho de assegurar as fundações pias da Diocese e de iluminar os corações dos homens com a luz divina da fé.

Em viagem a Roma em 1864, Dom Silvério esteve com o Papa Pio IX, e o diálogo entre ambos foi em latim, grego, hebraico, francês, espanhol e outros idiomas, para espanto de sua Santidade.

Em outra viagem, já como Bispo de Mariana, Silvério teria feito um discurso em Latim na presença de Bispos e Cardeais do mundo inteiro quando um Cardeal italiano teria dito: “Niger, sed sapiens” – “Negro, porém sábio”...

Se apoiava nos melhores historiadores e fazia admiráveis preleções, que retratavam os fatos e os personagens de maneira fiel, revelando toda sua extraordinária cultura.

Traduziu Virgílio, Horácio e Cícero além de outros grandes filósofos e pensadores do mundo antigo. Fazia, com extrema facilidade, versões de vários textos em latim.

Diante de situações conflitantes que o rodeava devido a “Questão Religiosa”, Dom Silvério publica em 27 de maio de 1872 um opúsculo de 37 páginas contra os Maçons e Jesuítas. Dois meses depois, em 29 de julho, publica um segundo opúsculo intitulado “O Papa e a Revolução”. Eram os sermões por ele pregados durante seus cultos. No ano seguinte publica “A Prática da Confissão” com 400 páginas, obra recomendada vigorosamente por Dom Viçoso.

Fundou e manteve por longos anos os jornais “O Bom Ladrão” e o “O Viçoso” (depois “Dom Viçoso”). Escreveu mais de 30 Cartas Pastorais e cerca de 40 Circulares. E publicou os livros: “Resposta ao discurso do Conselheiro Saldanha Marinho” e “Vida de Dom Antônio Ferreira Viçoso” em 1877, obra que até hoje segue sendo referência.

Fundou no âmbito da Diocese de Mariana, desde 1875, diversas escolas asilos, colégios e escolas técnicas e profissionalizantes, sendo visionário na oferta de ensino de qualidade às crianças e jovens carentes. Sua intenção era a de querer repetir em cada aluno pobre, outros tantos "Silvérios", que possam, como ele, engrandecer a Pátria, contando apenas com a ajuda inicial da mão amiga.

E podemos dizer que praticamente todas as Ordens Religiosas instaladas em Minas Gerais foi através do incentivo e apoio de Dom Silvério: Salesianos, Irmãs de Sion, Agostinianos, Barnabitas, Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, Maristas, Redentoristas.

Diante de sua vasta cultura e de seu incansável trabalho jornalístico e literário foi indicado e empossado em 28 de maio de 1920 na Academia Brasileira de Letras sendo recebido pelo acadêmico Carlos de Laet com um discurso eloquente, se tornando o primeiro prelado negro a ter assento na afamada ABL.

Seus atos eram santificados pela retidão de espírito e sua passagem pela vida terrena foi serena diante de todos os fatos, sublime em todos os seus atos, santa em todas as suas intenções.

Foi assim que esse homem extraordinário, pouco antes de morrer, pode repetir com desassombro as palavras do Divino Mestre, dirigindo-se aos seus padres e familiares reunidos em torno de seu leito de dores: "Eu vos tenho dado exemplo".

Sim, é este exemplo de fé, de elevação de espírito, de amor ao próximo, de caridade, de desprendimento pelas coisas do mundo e de dedicação pura a Deus, que expressa e caracteriza a vida santa e a obra sublime e apostólica de Dom Silvério Gomes Pimenta.

Do menino Silvério ao imortal Dom Silvério, dos nascidos em Congonhas, o mais notável vulto de sua História, dos luminares da Igreja, e do Brasil...


Por André Candreva

  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas
  • Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas
  • Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete
  • Academia de Letras Brasil – RMBMG
  • Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
  • Academia de Letras, História e Genealogia da Inconfidência Mineira

REFERÊNCIAS:

  • História Antiga das Minas Gerais - VASCONCELLOS, Diogo de - Beltrão & C. - Livreiros editores - Ouro Preto - 1901;
  • Vida de Dom Silvério Gomes Pimenta - SOUZA, Dom Joaquim Silvério de - Escolas Profissionais do Liceu Coração de Jesus - São Paulo - 1927;
  • Dom Silvério Gomes Pimenta - CASTRO, Fernando Pedreira de - Editora Vozes - 1928;
  • Traços Biográfico de Dom Silvério Gomes Pimenta - OLIVEIRA, Monsenhor Alípio Odier de - Escolas Profissionais Salesianas - São Paulo - 1940;

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